sábado, 21 de junho de 2025

O Dia em que o Capim Salvou a Infância

Duas Barras, Fazenda de São Pedro, década de 1940.
O tempo ainda escorria devagar pelas frestas da madeira, e as conversas adultas se demoravam em cafés longos e histórias repetidas. Na varanda, tio Nico (Antônio Wermelinger)— já com os olhos avermelhados pelo tempo e o rosto talhado pelos anos — recebia uma sobrinha e seus filhos, que vinham visitar a antiga fazenda num Chevrolet 1931, desses com capota de lona e alma de ferro.

Enquanto os adultos se perdiam nos causos e nas saudades, os dois pequenos, com seus seis anos de pura inquietude, faziam o que toda criança sabe fazer melhor: ignorar os limites. Sem ninguém por perto, subiram no velho carro como se fosse um brinquedo qualquer.
E então, o som seco de um freio de mão sendo solto marcou o início do que poderia ser uma tragédia.

O Chevrolet, agora livre, começou a descer a pequena ladeira, ganhando velocidade, embalado pela inconsequência da infância. O barranco à frente prometia um desfecho amargo, mas — como se o destino ainda respeitasse a inocência — uma moita de capim cidreira, espessa e teimosa, deteve o carro com uma gentileza que desafiava a física.

Foi o capim, não os adultos, quem protegeu aqueles meninos.

Naquele dia, a fazenda não virou luto. Virou memória.
Tio Nico nunca mais olhou aquele capinzal da mesma forma.
E quem viveu, jamais esqueceu: criança é arteira — e anjo da guarda também precisa de reforço.

Moral?
Criança pequena sozinha é convite para o imprevisto. E nem sempre há um capim entre elas e o barranco.
Tiago Torres Wermelinger em 21/06/2025  inspirado no relato de Walter Wermelinger. 

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